Manoel Português, o Capitão Nu!
admin | 29 de julho de 2007Em 1980, quando cruzava a baia de São Marcos, de São Luís para Alcântara, vivenciei uma das experiências mais dramáticas da minha vida. Era o mês de setembro, quando os ventos são intensos e as ondas imensas, quando a vela do barco repleto de crianças e idosos começou a dar problemas. Houve um princípio de pânico e por pouco o barco não emborcou. Poderia ter sido uma tragédia! Há dez anos atrás era mês de abril e “diziam” que o mar estava tranqüilo e que não haveria problemas de chegar até a ilha dos Lençóis. Normalmente a viagem é feita em barcos de pescadores em acertos feitos previamente no porto de São Luís e dura em torno de 12 horas. Foi então que, apresentados por amigos, tivemos o grande prazer de conhecer o Manoel Português, o homem que ficou conhecido no Fantástico por andar nu! Para nós que tivemos a oportunidade de conviver com ele por alguns dias pudemos conhecer bem mais do que esta curiosidade. Manoel Português fugiu da ditadura de Salazar em 64 e por ironia do destino veio bater aqui no Brasil na ditadura de Castelo. Veio de catamarã com um amigo e aqui ficou. Manoel não usa documentos de qualquer espécie, é um anarquista convicto. Vive na vila do Outeiro, próxima a Cedral, numa casa afastada na praia com a mulher Vita, uma negra de 1.80 m e mais uma dezena de filhos seus e de criação, além de netos e chegados. Nu, sim, realmente Manoel vive nu. Em casa, na praia, trabalhando no barco ou batendo um papo com os amigos da cidade que vão visitá-lo. Não há o menor constrangimento, todos sabem que ele é assim, naturalmente, sem forçar a barra. Mas o diferencial do Manoel não esta só no fato dele andar nu. Foi ele que, observando as condições locais de navegação (bancos de areia), introduziu o catamarã na região, pois este pode navegar com uma autonomia muito maior que os barcos locais. Além de ser construtor, ele planeja e executa os projetos. Manoel é um excelente marinheiro, ou capitão, e o maior conhecedor da região. Levou para viajar conosco a Vita e o Maneta, seu filho de criação. A Vita começou como nossa cozinheira, mas no decorrer da viagem foi promovida a barman (woman) já que era ela quem fazia as caipirinhas. O Maneta era o grumete, estava apenas começando a viajar com o Manoel, sendo iniciado nas artes da navegação. É verdade, o mar estava calmo, a não ser na travessia de uma ou outra baia. Às vezes batia certo medo quando o Manoel saía um pouco mar adentro e ficávamos sem ver terra. Mas logo ele nos confortava dizendo quando e onde ia aparecer algum acidente geográfico. Sinceramente, o GPS de pouco serviu nesta viagem, a não ser para ficarmos brincando, fazendo comparações entre sua tecnologia e a do Manoel. Ás vezes as águas eram quase negras, tal a quantidade de sedimentos ali concentrados, em outras passávamos sobre bancos de areia onde era possível ver o fundo. Fizemos uma viagem em perfeita sintonia até a ilha dos Lençóis.
Lua cheia na Ilha dos Lençóis
Chegamos à ilha já noite e como a maré estava bastante cheia dormimos ali mesmo no barco. Na manhã seguinte, muito curiosos, saímos para “fazer o reconhecimento da área”. A ilha, que pode ser tranqüilamente contornada a pé numa única manhã é habitada por uma comunidade de pescadores e impressiona pela diversidade de ambientes ali encontrados. Antes de chegar onde os barcos ficam ancorados passamos na noite anterior por um canal margeado por mangues e depois pela manhã uma grande surpresa, dunas imensas, que se estendiam por boa parte da ilha. A vilazinha fica ali entre o porto e as dunas. Seguindo a pé em direção à foz atravessamos uma área em que a lama vinha até os joelhos, o que fez as crianças da vila chorar de tanto rir quando nos viram “embananados” com câmeras fotográficas e de vídeo junto aos siris e caranguejos. Foi o preço que pagamos para chegarmos até as piscinas de águas verdes da praia dos Lençóis. Caminhando ainda um pouco encontramos um “mangue seco”, antiga região de mangue que foi destruída pelo mar e pelas dunas, aparecendo agora apenas galhos esparsos fincados na areia da praia. A próxima praia, apesar de muito rasa para o banho, era de uma beleza estonteante já que suas águas verdes terminavam numa duna imensa. Subindo estas dunas tivemos então uma vista total da ilha. No seu interior pastavam jegues, cavalos e cabritos. Descemos a duna pelo outro lado e percebemos que já havíamos contornado a ilha e novamente estávamos no portinho da vila. A ilha dos Lençóis é envolta em mistérios. Nas noites de lua cheia, segundo a crença local, um rei encantado aparece montado num touro gigante, vagando pelas dunas. A ilha ficou conhecida nacional e internacionalmente pela grande incidência de albinos ali existentes. Hoje eles não passam de mais de dez, mas isso não impediu que ficassem conhecidos como os “Filhos da Lua”!
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